Tempos atrás visitei a igreja de um pastor conhecido. O professor de jovens havia faltado. Assim, o pastor pediu para que eu desse aquela aula. Uma vez na sala com os jovens, perguntei qual era a lição. Eles prontamente me deram a revista e me indicaram o capítulo. Foleando a lição percebi que apontava para um texto bíblico que eu havia estudado recentemente. Assim, lancei a proposta:
– O que vocês acham de deixarmos a revista de lado um pouco e estudarmos diretamente o texto bíblico?
Achei que a proposta seria empolgante, afinal a maioria era de universitários e deveriam estar acostumados a valorizar as fontes primárias. Mas a resposta me surpreendeu:
– Pastor, é melhor seguir a lição!!!
Outro dia, depois de uma pregação um jovem me procurou para conversar. Ele estava muito abatido e desorientado. Ele disse que pertencia a uma igreja pentecostal e a “profeta” da igreja o havia orientado da seguinte forma:
– Filho, você anda estudando demais a Bíblia. Estudar a Bíblia é bom, mas você pode ficar “frio” com isso. Você precisa dar mais liberdade ao Espírito!
Conversando com um pastor de jovens, este compartilhou que estava enfrentando muita dificuldade em sua igreja, pois um grupo de jovens se reuniu e disse a ele:
– Pastor, temos que diminuir os estudos bíblicos. Os jovens precisam é de mais confraternizações, espaço para diversão e bate-papo.
Quando cheguei na cidade onde moro, ao visitar a EBD de uma igreja histórica, me deparei com a afirmação de um dos pastores que ensinava em classe única para todos:
– Irmãos, a Bíblia não é a Palavra de Deus, mas se torna a Palavra de Deus a medida que temos experiência com ela.
Diante dessas quatro breves histórias, pergunto: As igrejas evangélicas no Brasil crêem que a Bíblia é a Palavra de Deus?
É muito curioso que no ano em que celebramos os 500 anos da Reforma Protestante, o que caracteriza a maior parte das igrejas evangélicas no Brasil é a rejeição à Palavra de Deus (se não direta, com certeza na prática).
A primeira história remonta a muitos evangélicos que têm mais apego aos seus costumes, declarações e confissões, do que às Escrituras. Para esses, o que importa não é a verdade, mas o que sua denominação lhes impõe. Se a Bíblia condena claramente o pastorado feminino, mas o comentarista da revista da EBD aponta favoravelmente, ou a Convenção de tal Estado aprova, então ficasse com estes, porque isso é mais conveniente para o contexto sociocultural de nossa época! Assim, embora se afirme que a Bíblia é a Palavra de Deus, na prática, esta é rejeitada.
A segunda história remete aqueles que rejeitam as Escrituras (não diretamente, mas na prática) em nome de pretensas experiências místicas. Nesses meios, a Bíblia é tida com desconfiança, especialmente onde se contrapõe a revelações, sensações, sonhos e visões. Por exemplo, a Bíblia é clara quando proíbe o casamento com um descrente (1 Co 7.39). Mas a irmã profeta “fulana de tal” me deu uma profecia dizendo que me case com aquele rapaz que conheci e estou apaixonada, embora não seja crente no Senhor. Então, o que faço? Seguirei a “profeta”, embora eu afirme que a Bíblia é a Palavra de Deus. O que acontece é que, na prática, estou negando as Escrituras.
A terceira história aponta para os evangélicos emergentes que entendem que apego às Escrituras é coisa do “arcaísmo dos tempos apostólicos”. O que é moderno é a regra. Isso significa “louvorzão”, ao invés de estudo da Palavra, “encontro” ao invés de culto, “bate-papo” ao invés de pregação, “descontração” ao invés de serviço, “terapia em grupo” ao invés de confrontação bíblica.
A quarta história remonta a uma corrente teológica muito popular entre as igrejas históricas no Brasil, o neoliberalismo. Esta corrente foi importada dos EUA e popularizada pelos Seminários Teológicos ao longo do séc. XX. Segundo esta corrente teológica, as doutrinas centrais do cristianismo são reafirmadas, mas a totalidade da inspiração e inerrância das Escrituras são negadas. Assim é comum ouvir em igrejas afetadas por essa teologia: “Paulo era machista”, ou “esse texto não é para a nossa época”. Os textos bíblicos, quando lidos, são interpretados de maneira subjetiva e o que mais se ouve são coisas do tipo: “assim como Deus libertou Daniel da cova dos leões, Ele vai te libertar da cova do problema em que você se encontra”! Dessa forma, na prática, a Bíblia é rejeitada como Palavra de Deus.
Essas correntes da igreja brasileira (não fui exaustivo, poderia citar várias outras), remontam a negação na prática das Escrituras como inspirada, inerrante, autoritativa, suficiente Palavra de Deus. Uma marca triste que faz a igreja brasileira ser tudo, menos evangélica.
O resultado disso, dentre outras coisas, é o número cada vez maior de pessoas que não têm convicção de sua fé, e isso porque não conhecem o que crêem. Essas vivem a vida sendo levadas pelo pensamento de outros. Essas pessoas, apesar de se considerar cristãs, se deixam levar por inúmeras influências (2 Tm 3.6). É por isso que uma jovem que se divorciou depois de 5 anos de casada justificou-se da seguinte forma: “Eu mereço ser feliz”. Ela não sabe, mas esse é o discurso da filosofia Hedonista, muito presente em nossa época.
Isso me faz lembrar do evangelista Marcos. Em meados de julho de 48[1], de acordo com o relato de Lucas, “partindo de Pafos, Paulo e os que estavam com ele chegaram a Perge, da Panfília. Mas João, apartando-se deles, voltou para Jerusalém” (At 13.13). Este João é o Marcos que escreveu o segundo Evangelho. Marcos apartou-se deles! Por que? O que aconteceu? Acredito que a falta de convicção de Marcos contribuiu para que ele abandonasse a viagem missionária quando se deparou com adversidades.
Assim como Marcos, muitas pessoas estão na igreja, mas sem convicção. São aqueles jovens que vão para a Universidade e assim que se deparam com ideologias humanistas, se afastam da igreja. São aqueles outros que começam a namorar e preferem um relacionamento promíscuo a comunhão sadia dos irmãos na fé. São aqueles pais de família que abandonam o lar por conta de uma aventura sexual, ou mulheres que deixam seu lar por conta de um romance virtual!
Por conta da deserção de Marcos, Paulo chegou a ter uma grande desavença com Barnabé (At 15.38). Entretanto, tempos depois, algo mudou em Marcos. Em 65 d.C Marcos escreveu o Evangelho. Dois anos depois (67 d.C), Paulo solicitou Marcos a Timóteo, porque lhe era muito útil (2 Tm 4.11). Segundo a tradição, Marcos fundou a Igreja de Alexandria e morreu martirizado. Seu martírio aconteceu no Egito, onde foi “amarrado e arrastado para a fogueira, foi queimado e depois sepultado num lugar chamado ‘Bucolus’, sob o imperador Trajano”[2].
O que aconteceu? O que mudou? O que fez com que Marcos se tornasse um dos maiores evangelistas do cristianismo? O que fez com que ele ficasse firme em sua fé, até mesmo diante da morte? Com certeza foi a convicção adquirida. Mas, que convicção foi essa?
Vejamos como começa o Evangelho de Marcos: “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1.1). Aí está! Depois de todo o seu trabalho científico de pesquisa e coleta de dados, conduzido pelo Espírito Santo (1 Co 12.3), Marcos apresenta sua conclusão: Jesus é o Filho de Deus. Diante disso, Marcos não seria mais o mesmo, agora ele estava disposto a enfrentar todo e qualquer desafio por causa de Cristo.
Agora, de onde veio essa convicção de Marcos? Como ele a adquiriu? Essa convicção não vem das Confissões, não vem de experiências místicas como visões ou revelações, nem muito menos de shows gospel! Essa convicção só pode ser oriunda da observação cuidadosa das Escrituras. Perceba que na continuidade do texto (Mc 1.2,3), Marcos cita Ml 3.1 e Is 40.3. Fazendo assim, Marcos menciona o fundamento de suas conclusões: as Escrituras. São elas que evidenciam que Jesus é o Filho prometido de Deus.
A fé em Cristo não é uma fé cega. Está alicerçada em evidências. Marcos descobriu nas Escrituras que Jesus é o Rei prometido. Foi essa convicção que transformou a sua vida.
Alguém sem a Palavra de Deus é alguém sem convicção (cf. Rm 10.17). Alguém sem convicção é alguém levado por todo e qualquer pensamento e circunstâncias. Não é por acaso que as igrejas evangélicas brasileiras historicamente têm sido levadas por “ondas” de doutrinas.
Dessa forma, considere as perguntas abaixo:
a- Você conhece a sua fé e tem convicção daquilo que crê?
b- Você estuda as Escrituras regularmente procurando saber quem é Deus e o propósito dEle para a Sua vida?
c- Na sua igreja, os encontros da juventude são marcados por festas, shows e muita descontração e você considera isso normal?
d- Na sua igreja, os encontros são marcados pelo estudo de lições de revista de EBD, revistas de organizações de jovens, mulheres, homens, e você considera isso normal?
e- Na sua igreja existe a predominância de estudos fundamentados em conceitos da psicologia, sociologia e outras disciplinas humanistas, até mesmo com profissionais dessas áreas, e você considera isso normal?
f- Na sua igreja não existem pequenos grupos de estudo da Palavra de Deus, diretamente do Texto Sagrado, e você considera isso normal?
Responda sinceramente a essas perguntas. Elas ajudarão você a refletir se, embora afirme que as Escrituras são a Palavra de Deus, na prática, tem a rejeitado. Se for o caso, quero incentivá-lo a:
· voltar-se às Escrituras em seus estudos pessoais, e deixar de fazer parte da tendência da maioria das igrejas evangélicas do Brasil.
· procurar uma igreja evangélica realmente bíblica (ainda que você tenha que fazer uma “viagem” todo domingo), que zele pelas Escrituras, não somente no discurso, mas também na prática.
Pr. Nelson Galvão
Sola Scriptura
[1] Carlos Oswaldo Pinto. Foco e Desenvolvimento no Novo Testamento. p. 184
[2] John Foxe. O livro dos mártires. p. 17
Nelson é casado com Simone desde 1997 e eles têm um filho. Ele é formado em História e Teologia, pós-graduado em Administração Escolar e mestre em Educação (PUC-SP). Atualmente faz mestrado em Teologia do Novo Testamento no Seminário Bíblico Palavra da Vida- Atibaia, SP.
É pastor interino da Igreja Batista Sião (São José dos Campos-SP) e atua como diretor acadêmico do ministério Pregue a Palavra.
Atua ainda como coordenador do grupo do Pregue a Palavra de Cuba e como professor convidado da Escola de Pastores PIBA.
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